sábado, 20 de outubro de 2012

80) A propósito da obra "Psicologia e Espiritismo", do prof. Enrico Morselli.

Enrico Morselli

Ernesto Bozzano

     
     Este é o título de mais uma obra (dentre as mais de cem que escreveu) do filósofo, cientista e pensador italiano Ernesto Bozzano, cognominado "o grande mestre da ciência da alma", o "primus inter pares" na análise e evisceração dos fenômenos parapsicológicos (ou espiríticos), em réplica a um livro do professor, médico e psiquiatra italiano Enrico Morselli, em 2 volumes, intitulado "Psicologia e Espiritismo", de quem, apesar de tudo, Bozzano era grande amigo, e com quem participou, no "Circulo Científico Minerva", em Gênova, de vários experimentos com a médium napolitana Eusápia Paladino, mas também com outros médiuns. Morselli era um materialista irredutível e, apesar dos impressionantes fenômenos a que assistiu (inclusive e várias vezes, de materialização), que narra, com minúcias de detalhes nos 2 volumes de seu trabalho, permaneceu um cético inabalável, por toda a vida, atribuindo todos os fenômenos a poderes ocultos, latentes no cérebro dos médiuns. Mas, sem embargo, apesar do seu ceticismo quanto à causa dos fenômenos, deixou, nessa obra, um eloquente e incisivo testemunho no que tange à veracidade dos fenômenos espiríticos. Eis como ele se refere aos mesmos:

"
A questão do Espiritismo foi discutida por mais de cinqüenta anos, e embora ninguém possa prever neste momento quando isso vai ser resolvido, todos são acordados em atribuir a ela uma grande importância entre os problemas que deixou como legado pelo século XIX para o XX. Se durante muitos anos a ciência acadêmica desvalorizou toda a categoria de fatos que o Espiritismo trouxe para formar os elementos de seu sistema doutrinário, tanto pior para a ciência. E pior ainda para os cientistas que ficaram surdos e cegos diante de todos ante a afirmação, não de sectários crédulos, mas de graves e dignos observadores como Crookes, Lodge e Richet. Eu não me envergonho de dizer que eu próprio, na medida do meu modesto poder, tinha contribuído para esse ceticismo obstinado, até ao dia em que estava habilitado para quebrar as cadeias em que os meus preconceitos absolutistas tinham ligado meu julgamento."

     Nos 2 volumes do seu documentado trabalho, Morselli comprova a realidade dos mais diversos fenômenos físicos do mediunismo, mas, negando-lhes a causa espiritual, se deixa empolgar e chega mesmo, em algumas passagens, a lançar mão de termos pesados e quase insultuosos aos espiritistas. Bozzano, com a lógica, elegância e maestria de sempre, põe por terra, um a um, os principais argumentos antiespiríticos de Morselli. Limitar-me- ei aqui a citar as palavras iniciais e finais do grande mestre italiano, em sua réplica ao prof. Morselli. (O livro de Bozzano foi publicado em 1935 pela Federação Espírita Brasileira, com tradução do Dr. Guillon Ribeiro). Vejamos então:
     
     "Sobre a obra do prof. Morselli já a crítica, a esta hora, se exercitou amplamente, realçando-lhe qualidades e defeitos. É fora de dúvida que se trata de um trabalho vigoroso, que não interessa pouco à causa das pesquisas psíquicas, contribuindo, sobretudo, pelo interesse que desperta (quem o diria!) o declarado antiespiritismo de que o autor se fêz porta-bandeira, para que aquelas pesquisas conquistem numerosos prosélitos nas fileiras, até agora hostis, dos representantes do saber."
     "Assim sendo, hesitei longamente em tentar pelo menos a crítica sumária dos múltiplos argumentos que o ilustre psiquiatra acumulou contra a hipótese espirítica. Já a seu tempo havia eu refutado alguns deles no capítulo das conclusões do meu recente livro -- Casos de Identificação Espirítica -- e deliberara não tomar em consideração outros, tanto mais que esses outros se me afiguravam, na sua maioria, tão evidentemente sofísticos, que como tais seriam facilmente discerníveis por quem quer que fosse mesmo mediocremente versado no assunto. Essa minha deliberação, porém, veio a mudar de súbito, devido ao modo insistente pelo qual o prof. Morselli vai proclamando pelas revistas a validez inconcussa da sua tese e, ao mesmo tempo, estigmatizando a pusilanimidade dos propugnadores da hipótese espirítica, por não ousarem afrontar-lhe as objeções mais importantes."
     "Disponho-me, pois, à tarefa ingrata de confutar os argumentos principais, em sentido antiespirítico, que os dois volumes da obra em questão contêm, e me lisonjeio de que o prof. Morselli, a quem não agradam as blandícias, não me ficará querendo mal por isso. No interesse de tudo aquilo que lhe parecia ser a verdade, ele não hesitou em manifestar francamente e com vivacidade o seu pensamento, pondo de lado todo respeito humano, e fêz bem. Valho-me da mesma liberdade. A cada um a sua tarefa, uma vez que é lei de todo progresso humano que a verdade, para refulgir, precisa do entrechoque das ideias."
     "Longo, entretanto, se mostra o caminho, pelo que entro, sem mais preâmbulos, no assunto."
 

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     "Chegado ao termo das minhas observações críticas, lanço para trás o olhar e meço o caminho percorrido, a fim de verificar se a formidável artilharia que o prof. Morselli fêz troar contra os propugnadores da hipótese espirítica realizou a ameaça de destruição dos seus acampamentos, que são os por mim explorados. Nada, entretanto, descubro aí mudado; tudo ao derredor se conserva tranquilo e por toda parte se percebem indícios do prelúdio de uma avançada em toda linha. Evidentemente, aquela extensa fila de "bocas de fogo" troou, dando festivas salvas, como que a anunciar aos povos o advento de uma grande Ideia, capaz de fundir numa só todas as confissões religiosas e de dar paz às consciências, com o transformar em certeza científica a fé no além túmulo." 
     "E ouso esperar que o prof. Morselli se dignará de me fazer a justiça de reconhecer que não bati em retirada diante de nenhuma das suas mais formidáveis objeções, o que, aliás, é dever de todo aquele cujo objetivo máximo seja, através da Verdade, chegar à Verdade. Se, pois, entre as objeções de que, por excessivamente inócuas, não cuidei, alguma haja que assim não pareça ao prof. Morselli, queira ele benevolamente apontar-ma, e eu a refutarei. E se entre as que tomei em consideração, de alguma se lembra que lhe pareça insuficientemente discutida, queira advertir-me que a considerarei de novo, porquanto me sinto absolutamente seguro de mim, graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da causa que defendo."
     "A facilidade com que ficaram esclarecidas ou explicadas contradições teóricas aparentemente formidáveis evidencia quão imprudente é fundar-se uma pessoa em perplexidades de tal natureza, que não faltam em qualquer ramo de pesquisas, para lançar anátemas "a priori" contra resultados de fatos, sem refletir que fatos não são opiniões, nem podem ser suprimidos em virtude de dificuldades teóricas, que lhes tornam, num ou noutro ponto, obscura a interpretação, dificuldades que, como o ensina a experiência, se acham destinadas a resolver-se, mediante o prosseguimento das pesquisas."
     "Em outros termos: por si só, a circunstância de existirem essas insurreições teóricas contra uma hipótese fundada em fatos nunca poderá servir de fulcro para se lhe contestar a validez, mas, apenas para justificar, a seu respeito, uma suspensão de juízo. É nesse sentido que terá de se pronunciar quem quer que entenda não se deva ainda sancionar a hipótese espirítica. Foi assim que procederam, diante dela, muitos eminentes homens de ciência, desde William Crookes até Sidgwick, desde Maxwell até Bottazzi. Assim, entretanto, não procedeu o prof. Morselli."
     
     Vários anos depois, numa polêmica com o psiquista materialista René Sudre, Bozzano assim se pronunciou:

     "Estou preparado para esta discussão, por muitos anos de pesquisas e estudos metódicos, severos, sistemáticos, de natureza nitidamente científica e, sobretudo, imparcial, pois durante a mocidade, militei nos ramos do positivismo materialista, defendendo com vigor, nas revistas especializadas, as minhas convicções filosóficas de então, o mesmo vigor que ora demonstro na defesa de uma causa diametralmente oposta, porém infinitamente mais reconfortante. A lembrança desse passado materialista me faz hoje ser indulgente e tolerante com todos os antagonistas que, de boa fé, sustentam ser possível demolir o multiforme e complexo edifício de provas que conseguimos erigir -- provas de ordem anímica e espirítica -- todas convergentes, como um bloco monolítico, para a demonstração da existência e sobrevivência do espírito humano." 

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